Aproveitando o momento positivo, a Emirates (empresa sediada em Dubai) realiza Open Day (Seleção) para contratar comissários de voo em todo mundo, e também no Brasil, por meio da Fly Right International, acompanhe na integra a entrevista de uma aeromoça brasileira que trabalha na companhia publicada no fórum AeroVirtual, em Maio de 2009:
1) Há quanto tempo trabalha como comissária, há quanto tempo está na Emirates e qual o motivo de ter ido para essa empresa?
Estou na Emirates há 1 ano e não era comissária antes disso. Eu não “escolhi” a Emirates, mas aconteceu do recrutamento da empresa aparecer justamente quando eu estava pensando em começar um curso para comissários no Brasil.
2) Quais são os requisitos para ser um comissário da Emirates? Como foi o processo seletivo? O que achou mais difícil?
A princípio, os requisitos básicos para se trabalhar em qualquer outra empresa, como altura mínima (alcançar 2,12m sobre as pontas dos pés), peso razoável, nada de tatuagens visíveis, ensino médio concluído etc. O que muda é a obrigatoriedade de inglês fluente, mas em compensação não é preciso ter feito o curso de comissário.
O processo seletivo foi longo para mim. Em maio assisti à apresentação da empresa num Open Day terceirizado que é feito por brasileiros e já nesse dia participei de uma entrevista rápida para confirmar o domínio do inglês (e, claro, nessa hora eles dão uma checada no visual). Depois de um mês recebi o convite para participar do Assessment Day que aconteceria dali a 30 dias, este já realizado por recrutadores da Emirates.
O tal Assessment é um dia interminável e meio cruel, pois os candidatos vão sendo eliminados a cada uma das tantas provas feitas durante o dia. Pelo que me lembro, foram três ou quatro dinâmicas de grupo e uma prova escrita de inglês (todas eliminatórias). Ao final restaram 10 candidatos de um inicial de 60 e então fizemos um teste psicométrico e agendamos a entrevista final para a mesma semana.
O resultado só chegou pra mim mais de dois meses depois, mas outros foram chamados antes que isso. A partir daí ficam faltando apenas os exames médicos e odontológicos, que são muitos. Como eu estava estudando e trabalhando, não me sobrava muito tempo e acabei demorando para enviar todos os resultados, mas quando finalmente concluí essa fase, minha passagem foi marcada imediatamente e embarquei para Dubai na metade de dezembro. Então, somando tudo, o processo durou 7 meses pra mim.
3) Como é morar em Dubai? Quais são as principais dificuldades e o que tem de melhor na cidade?
Dubai é um grande canteiro de obras. Não há pedestres, não há calçadas para pedestres, o transporte público está em construção, o trânsito é um inferno, a poluição não é pouca e a areia entra pela janela mesmo nos andares mais altos dos prédios. Ou seja, fisicamente, não é nem um pouco agradável. As praias não são ruins, mas não existe aquele nosso conceito de vida litorânea. A vida social se dá em bares, clubes e restaurantes, a maioria dentro de hotéis e resorts. Muitos são bons, muitos são ruins… Tem pra todo gosto.
Pra mim o melhor daqui é a diversidade de culturas. Os moradores nativos são menos de 15% da população e todo o resto são amostras maiores ou menores de todos, todos os cantos do mundo. Às vezes esta é justamente a parte cansativa de viver aqui, pois fica aquela atmosfera instável e nada familiar, onde todos parecem estar ou realmente estão de passagem. Mas fica valendo a experiência extrema de conviver com dezenas de nacionalidades todos os dias, coisa que eu acho que não aconteça em tamanha medida nem em Londres ou Nova York.
4) Como é trabalhar na Emirates? Fale um pouco sobre seu dia-a-dia como uma comissária dessa companhia.
Eu gosto de trabalhar na Emirates. Meus dias aqui variam entre uma liberdade enorme para fazer o que quiser quando estou de folga e uma disciplina quase militar quando tenho voo agendado. A parte mais difícil são os horários malucos. O aeroporto de Dubai nunca fecha e não é raro ter que sair de casa para trabalhar às duas da manhã. Administrar o sono e a constante mudança de fusos não é fácil. A saúde fica debilitada e tem-se a impressão de estar envelhecendo três anos em um! Mas é muito bom não trazer trabalho pra casa, não ter estresses fora dos voos (e mesmo estes vão se tornando previsíveis e facilmente contornáveis).
5) Quais são as principais diferenças entre trabalhar na Emirates e nas companhias aéreas brasileiras?
Como eu disse, nunca fui comissária no Brasil, mas sei um pouco como funciona pelo que escuto de colegas brasileiros que trabalharam para a Varig, TAM e Gol. As principais diferenças são o salário, as aeronaves e os destinos, tudo isso melhor pela Emirates. Além de ganhar três vezes o salário de um comissário brasileiro, a empresa paga minha acomodação (um apartamento enorme que divido com uma colega), não tenho contas de luz, gás, água, condomínio; tenho transporte casa/aeroporto/casa, plano de saúde e clínica particular para funcionários.
Quando viajamos, todos os hotéis em que nos hospedam são cinco estrelas e recebemos uma quantia razoável na moeda local do lugar em que estamos. Os aviões no meu caso são A330-200, A340-500, B777-200 e B777-300, todos muito novos e bem mantidos. Os destinos vão de São Francisco a Nagoya, oportunidade fácil de conhecer o mundo inteiro em pouco tempo e sem gastar. Tudo isso é o “pacote dos sonhos”, mas o serviço na cabine é pesado. O padrão de serviço da Emirates é altíssimo e já tive voos de 8 horas sem um minuto sequer pra descansar. Pra se ter uma ideia, num voo daqui para o Kwait que dura pouco mais de uma hora, servimos bandeja com refeição quente, um feito épico quando se tem mais de 300 passageiros a bordo na econômica!
6) Você já voou no Emirates 261/262 (Dubai-Guarulhos-Dubai)? Qual a sensação de estar voando para sua terra natal?
Fiz esse voo três vezes e para mim não tem sensação melhor! Embora muito cansativo (14 a 15 horas com descanso máximo de 4 horas), é ótimo poder falar minha língua materna com os passageiros. Os brasileiros gostam de se reunirem na galley como se estivessem num bar, o fundo do avião fica animadíssimo durante o voo inteiro. Às vezes é tanta gente ali de pé bebendo e comendo que nós precisamos pedir para o piloto acionar o sinal de cinto de segurança, pois do contrário não teríamos como preparar o serviço seguinte. Acho incrível como isso não acontece em nenhum outro voo. Claro que sempre tem um ou outro passageiro que gosta de ir pro fundo bater papo com a gente, mas voando pra São Paulo são às vezes 30 pessoas se amontoando na “cozinha”! Adoro!
7) Existem muitos brasileiros voando na Emirates. Existe muita disputa para conseguir estar na escala do voo que vem ao Brasil?
Ouvi falar que somos agora cerca de 600 brasileiros na companhia. É difícil conseguir o voo não só pela disputa, mas também porque a troca de voos envolve sete dias da agenda (dois dias legais de folga antes e depois do voo). Se não bastasse, a Emirates acabou de lançar uma regra de acordo com a qual uma mesma nacionalidade não pode representar mais de 50% da tripulação, pra garantir a diversidade icônica da empresa.
8) Pretende continuar na Emirates por muito tempo ou pensa em voltar ao Brasil ou ainda ir para alguma outra empresa estrangeira?
Pretendo voltar para o Brasil, claro, mas não para trabalhar como comissária. As oportunidades de promoção aqui não são muito lentas e eu creio que é melhor ficar onde estou que começar do zero em outra companhia, que nem de longe me daria as condições de trabalho que a Emirates me dá. O tempo passa muito rápido quando medimos o mês por voos (cerca de oito por mês) e eu me vejo fazendo esse serviço por cinco anos tranquilamente, e até lá espero ser chefe de cabine.
9) A Emirates é conhecida pela excelência no serviço de bordo e tratamento aos passageiros. Trabalhar na Emirates mudou a sua maneira de lidar com as pessoas, tanto dentro, como fora do avião?
Mudou e muito! Se tinha uma coisa que eu não sabia fazer era engolir desaforo, mas isso eu tive que aprender rapidinho. Os passageiros têm todo tipo de precedência e cultura, mas já não me assustam mais. Se escuto alguma coisa desagradável, entra por um ouvido e sai pelo outro, pois sempre tenho em mente que se eles estão descontando as revoltas no meu uniforme e no que ele representa, não em mim. Faço meu serviço da melhor forma e isso tem sido suficiente. Procuro sempre pensar que os passageiros poderiam ser pessoas da minha família, então os trato como eu gostaria que minhas pessoas queridas fossem tratadas. O que mudou na minha vida fora do avião é que tenho agora uma paciência maior com garçons em bares ou restaurantes muito cheios. Afinal, I’m just a waitress in the air na maior parte do tempo e sei que não é fácil agradar todo mundo. Mudou também minha auto-confiança, o que deve ser natural depois de um ano lidando com gente de todo o mundo.
10) Dentre os lugares que já voou, qual o que mais gosta e por que? E quanto aos aviões? Preferência para trabalhar em algum modelo específico?
Não consigo escolher um destino preferido. Sinceramente, as melhores lembranças que tenho de viagens são aquelas em que a tripulação esteve mais unida e de melhor humor. Há muita solidão em viajar para lugares lindos mas sem ninguém conhecido por perto. Andando por Veneza ou Paris, tudo que você pensa é em quem você gostaria que estivesse ali com você…
Gosto do Boeing porque é mais espaçoso, mas verdade é que no Airbus cansa-se menos. O A330-200 é o “facinho” da companhia, dá menos dor nas pernas e nas costas, mas é também a frota mais antiga que temos, faz mais barulho e dá mais problema técnico.
11) Para as pessoas que estão começando a carreira, quais os conselhos fundamentais que lhes dá ?
Preparar-se emocionalmente para dias de solidão e fisicamente para um trabalho que é muitas vezes exaustivo.
12) Já voou no A380? Caso positivo qual a impressão? Caso negativo pretende voar logo?
O A380 tem tripulação exclusiva da qual eu preferi não fazer parte. Tenho mais medo que curiosidade de voar naquele monstro enorme!
13) Como é a comunicação padrão .. se é totalmente em inglês ou precisa-se , obrigatoriamente , aprender a língua árabe ? Como foi a adaptação dele em relação a isso ?
Todos os voos da Emirates têm como requisito básico o mínimo de um falante de árabe na tripulação. Se não houver, não decola. Mas pra isso há aqui um número absurdo de libaneses e egípcios, basicamente, que dão conta do recado e até ganham mais que os outros pelo fator da língua. Não há obrigatoriedade nem incentivo para se aprender a lingual local e tudo e todo o trabalho é feito em inglês. O mesmo vale para o dia-a-dia em Dubai. Fala-se inglês em qualquer canto daqui.
14) Como funciona a rotina “básica” de um dia de trabalho ?
Respondo com um exemplo: EK261 DXB-GRU e EK262 GRU-DXB
Acordo às 6 da manhã pro “ritual” do uniforme e da maquiagem (muito mais fácil para os homens).
7:30 o pick up me espera na porta do prédio.
8:30 meu limite para assinar o ponto eletrônico.
8:45 começa a reunião pré-voo com toda a tripulação. Cada um se apresenta, temos os documentos conferidos e respondemos a perguntas de segurança e primeiros socorros (não saber a resposta pode virar um problema). Escolhemos as posições de trabalho e os pilotos entram na sala para dar detalhes sobre o voo.
9:15 saímos do nosso terminal para o avião.
9:30 fazemos checagem de segurança vasculhando cada canto da cabine e preparamos os assentos com cobertores e fones de ouvido. Arrumamos também os jornais e os produtos oferecidos antes da partida, como toalhas aquecidas, brinquedos e cardápios.
9:45 os passageiros começam a entrar. (essa pra mim é a pior parte, dando conta de quem está infeliz com o assento e a falta de espaço para sacolas muito grandes. É uma correria.)
10:15 distribuição do que quer que se ofereça (exceto comida e bebidas alcoólicas)
10:30 decolagem
Aí o que acontece no avião você sabe. Chegando em Guarulhos, um ônibus nos leva para o hotel que fica no Morumbi. O que quer que eu faça durante as horas do pernoite só diz respeito a mim, desde que eu não comprometa a imagem da empresa. Posso não dormir no hotel se eu quiser ou mesmo receber convidados. O requisito legal para voar é estar bem de saúde e não ter consumido álcool nas últimas 12 horas antecedentes à partida, seja em Dubai ou na cidade de destino. Testes de urina são realizados randomicamente para garantir o cumprimento dessa regra. Falhar num teste desses é demissão sumária.
Para o voo de volta é exatamente o mesmo processo, com a diferença de que recebemos uma ligação no quarto do hotel uma hora antes da saída para o aeroporto. Se não me engano, isso acontece às 22:30 do dia seguinte à chegada em São Paulo.
Bom, não sei se era exatamente isso que você queria saber, mas espero ter respondido de acordo.
15) Qual o momento mais marcante nesse tempo de trabalho na Emirates?
O curso de cinco semanas foi muito puxado, havia muita pressão com as provas e toda a vida diferente com que se acostumar. Ao final das duas primeiras semanas (curso de procedimentos de emergência e segurança, o mais difícil), chegou a hora de assinarmos os manuais. É como receber um diploma, a licença para voar. Isso me arrepia até hoje quando eu me lembro, senti uma emoção muito grande. Parece uma coisa besta, meus colegas eu vi que nem ligaram, mas pra mim foi uma coisa enorme assinar aquele livro e chamar de meu! Pra mim este será sempre o momento mais marcante de toda essa aventura de estar aqui.
Cerca de 2 meses após conceder esta entrevista a comissária foi promovida para a classe executiva da empresa e está fazendo curso para voar no A380. Agradecemos a disposição da comissária em mostrar um lado pouco conhecido da aviação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário